Nina desceu do avião apressada. A viagem atrasou, agora seus planos para relaxar um pouco antes da reunião iriam por água abaixo. Praguejou baixinho observando a esteira que, parte do complô, se recusava a devolver sua mala.
Do outro lado, Benjamin observava, indiferente, o ir e vir de bagagens, enquanto Melissa, sua esposa, teclava no celular.
Todos os passageiros chegaram, apanharam suas coisas e se foram. Todos, exceto Nina e aquele casal. O rapaz alto, de pele morena e cabelos fartos, aparentava cansaço ou tédio, talvez um pouco dos dois. Sobre a moça, Nina teve impressão de conhecê-la, mas não se lembrou de onde.
Levou duas voltas completas para que, enfim, a esteira aparecesse com sua Louis Vuitton. Ela a pegou e foi embora, deixando para trás o casal que seria o último premiado da rodada.
Quando conseguiu tomar um taxi, Nina conferiu a hora e chegou à conclusão que daria tempo. Era uma executiva competente e acostumada a imprevistos, não teria dificuldade para contornar a lambança que seu chefe inútil havia aprontado com um dos principais clientes da companhia. Vai dar tempo, pensou mais uma vez.
Melissa não parou de navegar pela internet durante todo o caminho do aeroporto ao hotel. Ben queria conversar um pouco, para variar, mas contentou-se em olhar pela janela, para Roma passando lá fora, perdido em pensamentos. Tinham chegado bem longe dessa vez.
Distraído, escorregou a mão pelo banco até tocar a perna da esposa. Aquele trabalho significava uma grande oportunidade para ela, seu apoio contava. Mel tornara-se uma modelo requisitada, e ela merecia, depois de tanto esforço.
— Nossa primeira vez na Europa, querida – virou-se para a esposa – pesquisei todos os lugares mais românticos da cidade! – espalmou a mão em seu joelho.
— Uhum…
Vamos conhecê-los nas horas vagas, divagou, em algum momento haverá horas vagas, manteve-se otimista. Até lá, precisaria pensar em um título melhor que marido da modelo – já o tinham chamado de agente e de assistente, mas aquela última entrevista antes de sair do Brasil lhe imputou aquele termo ridículo.
Nina chegou na hora marcada e a reunião transcorreu sem incidentes. Ao final, porém, foi surpreendida pelo convite inusitado do cliente que, duas horas antes a recebera furioso.
Ela não planejou aquela viagem, nem mesmo se imaginou na Itália até três dias antes de embarcar. Definitivamente, não era sua responsabilidade atender in loco os clientes de Eduardo, seu chefe parasita-filho-do-dono-da-empresa! Mas, lá estava, na frente de Dante de Lucca, um dos principais investidores de seu negócio, o homem que abominava qualquer menção ao nome de Eduardo e para quem ela havia acabado de resolver todos os problemas criados por seu próprio diretor de operações.
— Ti presenterò a persone importanti – Ele disse, do modo típico italiano, falando também com as mãos.
— Grazie.
— Una riunione degli investitori. In due giorni.
Uma reunião com investidores em dois dias, conseguiu entender, mesmo com seu italiano fajuto. Não seria bem uma reunião, a secretária que servia de intérprete fez a gentileza de explicar, mas um coquetel na casa do senhor De Lucca. Nina aceitou o convite com fingida alegria.
Uma viagem de última hora para apagar um incêndio e que pode resultar em novos negócios, quem diria! – refletiu, mais animada, depois de deixar o suntuoso prédio e caminhar pelas ruas do bairro chique. Avaliaria melhor as possibilidades e, quem sabe, a empreitada acabaria não sendo tão frustrante afinal. Se conseguisse mais um ou dois bons clientes na Itália, cobraria um acréscimo ao seu bônus no fim do ano – Agora só precisava descobrir o que fazer por dois dias inteiros até a hora do coquetel.
Na manhã seguinte Melissa saiu cedo; não sem antes dizer ao marido que ele podia ficar.
— Descanse da viagem, amor – sorriu seu sorriso mais angelical. Ben contemplou os olhos verdes, os cabelos loiríssimos, as curvas da esposa, acentuadas pelo jeans justo e a camiseta branca, e quis muito puxá-la de volta para a cama.
— Quero ir com você.
— Relaxe – beijou seus lábios – vá se distrair um pouco, você merece! – Mel calçou os sapatos, pegou o casaco, a bolsa, checou o celular, beijou o marido mais uma vez e saiu sem olhar para trás.
Ben estranhou o comportamento evasivo, mas logo se esqueceu do episódio e decidiu seguir o conselho. Tomou um banho, pediu o café da manhã no quarto, se vestiu de modo casual e desceu. Quando chegou à portaria, percebeu que havia esquecido o celular e voltou. No hall, encontrou uma mulher bonita e elegantemente vestida que também esperava para subir.
— Buongiorno – Murmurou, envergonhado, uma das poucas palavras que conhecia no idioma. A moça ofereceu um pequeno sorriso educado. Por coincidência, estavam hospedados no mesmo andar e acabaram se despedindo no corredor com breves acenos de cabeça, depois caminharam em direções opostas.
Ben passeou por Roma durante toda a manhã. Bateu perna pelas ruas, visitou lojas, chegou até o Coliseu e almoçou num simpático bistrô, cujas mesas ficavam dispostas na calçada. Sentiu-se muito só na maior parte do tempo, mas não era um homem que se lamentava. Por impulso, ligou para a esposa, queria saber como estava indo seu dia. A ligação foi direto para a caixa postal. Calculou que seria hora de almoço para ela também e enviou uma mensagem. Quando retornou ao hotel, ainda não havia recebido resposta.
Mel telefonou horas depois. A sessão se estendeu mais que o previsto, contou. Ben a esperou para jantarem juntos.
— Prefiro não descer, amor.
— Achei que aproveitaríamos a noite.
— O dia foi tão puxado – Mel fez um biquinho – prometo te compensar depois – Ben já ouvira a mesma promessa outras vezes, até recentemente. No entanto, embora sentisse falta da companhia da mulher, obrigava-se a entender seus motivos.
— Vou ligar para o serviço de quarto.
— Você pode descer, se quiser. Fiz um lanche na locação, estou sem fome – Melissa o beijou – Tenho que acordar muito cedo amanhã, Ben, preciso mesmo dormir agora.
Ele largou o fone. Ela se ajeitou na cama, apagou o abajur, deixando o quarto às escuras. Ben pensou um pouco no que deveria fazer, não tinha certeza se ainda queria jantar, porém, estava sem sono e ela reclamaria se ele ligasse a televisão. Saiu sem fazer barulho.
No restaurante do hotel, uma banda tocava jazz – escolha curiosa em Roma, pensou, mas o que ele sabia? – O lugar estava cheio, não lotado. Foi direto ao bar, sentou-se num banco alto e pediu uma cerveja. Enquanto o barman o servia, reparou na moça do elevador sentada a um banco de distância. Ouviu quando ela pediu gin tônica, e também quando resmungou ao derramar um pouco da bebida no balcão.
— Merda.
— Brasileira? – Pensou alto, sem querer. Ela virou a cabeça de lado – Desculpe – apressou-se, sem jeito – Ela sorriu.
Era mesmo uma mulher muito bonita, notou na vez anterior e – procurou a palavra – sofisticada. Isso. As roupas, a bolsa, os sapatos… tudo gritava caro. Ben sempre se sentia intimidado perto de pessoas que tinham muito dinheiro.
— Brasileira – ela apontou para si – e você?
— Culpado – os dois riram.
— Temos nos esbarrado essa semana. Desde o aeroporto.
— No aeroporto?
— Tenho certeza que era você. Chegamos no mesmo voo, eu o vi na esteira de bagagens com uma moça.
— Agora que você falou, eu me lembro. Puxa, desculpe, sou péssimo fisionomista.
— Eu nunca esqueço um rosto.
Ele tomou a liberdade de ocupar o banco ao lado dela.
— Era minha esposa, Melissa.
— Ela é famosa?
— Hã… sim… um pouco – sem saber bem a razão, ficou sem jeito ao entrar naquele assunto.
— Tive a impressão de já tê-la tinha visto antes.
— Ah. Pode ser. Ela fez um comercial de pasta de dente que ficou muito conhecido na TV.
— Oh, claro, a moça do creme dental! – a estranha charmosa sorriu – A propósito, ela é muito bonita. Ben concordou.
— Onde ela está?
— Dormindo – deu um gole em sua bebida – trabalhou o dia todo – deu de ombros.
— Sei como é.
O silêncio durou um pouco. A música mudou, embora ainda fosse jazz. Nina olhou em volta, não sabia o nome do rapaz, mas o achou agradável. Parecia muito jovem, embora fosse bonito o suficiente para um homem. Desde que se divorciara um ano antes, não vinha prestando muita atenção aos homens, menos ainda em garotos.
O garçom aproximou-se dela para avisar que sua mesa estava pronta.
— Sou Nina – estendeu a mão, Benjamim imitou o gesto, dizendo o próprio nome e corrigindo-se em seguida. Ben, todo mundo me chama de Ben.
— Tenha uma boa noite, Ben.
— Foi um prazer conhecê-la, Nina.
Ela seguiu para sua mesa no meio do salão. E lá aproveitou uma boa comida italiana da melhor qualidade, um vinho de excelente safra, a música agradável e a solidão por escolha. Tinha agora um dia a menos naquele país. Não via a hora de voltar ao Brasil, ao seu trabalho e suas coisas. Detestava passar muito tempo fora da empresa com Eduardo solto por lá aprontando das suas.
Já Ben ficou onde estava. Pediu outra cerveja e se contentou em observar o movimento. Gostava de admirar as pessoas, seus comportamentos e manias. Quando era fotógrafo, captar a espontaneidade o fascinava.
Vez ou outra, furtivamente, voltou os olhos na direção da mesa de Nina. Ela parecia absorta por pensamentos distantes, quem sabe também se sentisse sozinha. Ele apenas podia supor, afinal, algumas pessoas apreciam a própria companhia. Ela parece ser uma boa companhia.
Três cervejas depois, julgou uma boa ideia ir para a rua; sentia-se tonto, não costumava beber. Parou na frente do hotel, aspirou uma grande lufada de ar, então espiou de um lado para o outro, tentando decidir que direção devia tomar.
Fazia um pouco de frio, ele baixou as mangas da blusa fina, enfiou as mãos nos bolsos da calça e caminhou a esmo até chegar numa praça, não muito distante. O lugar, rodeado por bares e restaurantes, fervia de gente. Encontrei um point romano, disse a si mesmo, mais desanimado do que gostaria. Outra vez escolheu um canto e ficou observando.
— Como é mesmo o nome daquele filme onde os dois estranhos se encontram toda hora? – A voz soou perto. Ben se virou e logo sorriu para Nina.
— Eles estavam no Japão, não? – Os dois riram.
— Quer dar uma caminhada?
Nina e Ben cruzaram as ruas apinhadas, o vento frio já não incomodava, conversaram sobre o Brasil e sobre Roma. Ele revelou que aquela era sua primeira viagem internacional e desviou os olhos quando disse isso, Nina percebeu. Foi quando entraram num campo mais pessoal da conversa.
— Você trabalha com sua esposa?
— Ela é a principal modelo de um importante editorial de moda. Eu vim de enfeite – riu da própria bobagem.
Rapidamente, ele quis saber o que Nina fazia e ela lhe contou que trabalhava numa empresa de tecnologia desde menina. Era gerente do departamento de segurança da informação. Ele balançou a cabeça, teve vergonha de perguntar o que significava. Depois de algum tempo de caminhada, entraram num pub.
— Cerveja ou vinho?
— Água tônica, por favor, atingi minha cota de hoje – Nina brincou. Ben fez o pedido ao garçom.
— Então, você já está de partida? – voltou-se para ela.
— Tenho esse coquetel amanhã à noite para encerrar a empreitada – torceu a boca.
— Você não parece muito satisfeita.
— Basicamente, meu chefe é um idiota – levou o copo aos lábios antes de prosseguir – essa viagem foi um desperdício do meu tempo e do dinheiro da empresa.
Ben não sabia o que responder. Ela riu.
— Desculpe o desabafo. Claro que a cidade é linda, é minha primeira vez aqui e quase não vi nada. Acontece que quando você precisa cruzar o oceano para limpar a cagada que outra pessoa fez e nem mesmo reconhece… – Revirou os olhos. Ele ofereceu seu melhor sorriso solidário
— No fim das contas, a cagada foi limpa? – os dois gargalharam.
— Salvei a conta. O idiota já pode se vangloriar sobre o meu trabalho e fingir que foi ele o responsável – falou com sarcasmo. Os dois bebericaram seus copos de água tônica.
— Você já tentou conversar com ele?
— Com quem?
— Com o seu chefe. Ou… com o chefe dele? Dizer como você se sente.
Nina deu uma risadinha irônica.
— Quer saber? Acho que vou dar uma volta por aí amanhã – ela mudou de assunto sem cerimônia – Viajo à beça e raramente conheço os lugares.
— Não?
— Não. Hotéis, escritórios, problemas… toda vez que viajo fico presa a esses três itens – fez uma careta – até quando saio de férias acabo aproveitando para visitar algum cliente, fazer uma pesquisa, conhecer uma feira nova… essas coisas.
Ben quase retrucou que sabia como era. Por sorte, se sentiu ridículo a tempo de não cometer tal gafe, ele não sabia coisa nenhuma! Escolheu abdicar dos próprios objetivos para seguir Melissa onde ela fosse e, há mais de um ano, se perguntava se fez a coisa certa. Não seria nada justo choramingar para uma estranha, já se achava fraco o bastante sem isso. Nina acabara de falar sobre coisas que ela fazia, ela realizava, ela conquistava com seu trabalho e ele não fazia ideia de como era a sensação.
— E você?
— Eu?
— Sim. O que você faz de verdade?
— Fui fotógrafo – outra vez sentiu um pouco de vergonha. Pronunciar a frase no passado ainda o assustava. Fotografia tinha sido sua grande paixão e ele continuava carregando sua máquina para onde quer que fosse, mesmo que não se lembrasse da última vez que a tirara da bolsa.
Nina esperou, e como Ben não disse mais nada, mudou de assunto. Voltaram a comentar sobre pontos turísticos e o modo de vida dos romanos, até que ele a interrompeu.
— Quando nos casamos, cinco anos atrás, Mel tinha vinte anos. Eu havia acabado de completar vinte e dois – olhou para Nina, para ter certeza que capturara sua atenção. A resposta era sim – A gente namorava desde o colégio, ela sonhava em ser modelo, só não acreditava que aconteceria – girou o copo vazio sobre a mesa – Cursei jornalismo, mas a fotografia é o que me move. Trabalhei para revistas, sites, fiz muitos batizados e casamentos também – os dois sorriram.
— A carreira dela decolou depois do comercial na tevê?
Ele fez que sim.
— Quanto tempo faz?
— Quase dois anos.
— Foi quando você deixou sua própria carreira?
— No início, não. Mel tentou me emplacar, não deu certo, esse ramo exige nome. Daí a gente combinou de ficar junto o tempo todo… e ela viaja muito agora – deixou a frase no ar.
— Entendo.
— Você é casada?
— Fui. Por duas vezes. Fracassei em ambas – fez sinal para o garçom e pediu duas cervejas; esqueceu-se de perguntar a Ben, mas ele não pareceu ofendido – Conciliar dedicação ao trabalho com marido é um desafio que poucas mulheres conseguem vencer.
Ben baixou os olhos. Nina percebeu a mancada.
— Desculpe. Claro que estou falando de mim.
— Não precisa se preocupar. Na verdade, você tem razão.
— As pessoas lidam com a mesma situação de maneiras diferentes o tempo todo, não se culpe por apoiar sua esposa, Ben.
— Não faço isso – mentiu.
— Ouça, o mundo inteiro acha normal uma mulher largar tudo para acompanhar seu homem. Mas esse mesmo mundo estranha quando o contrário acontece. Pessoalmente, acho que ninguém deveria se anular por outra pessoa, porém, tudo é uma questão de escolha.
— Você resumiu bem: a chave está no poder de escolha.
— Você não escolheu?
— Não tenho certeza.
Ben não sabia por que estava dizendo coisas tão íntimas a alguém que mal conhecia, mas não se arrependeu.
O garçom trouxe a cerveja e ambos provaram o líquido, absorvendo o sabor e a reflexões que afloraram – A vida exigia respostas o tempo todo, Nina ponderou em silêncio. Ela escolheu terminar seu último casamento ainda amando o marido; a separação foi a única resposta que encontrou para o conflito que existia entre os dois. Embora lamentasse. O homem com quem decidiu se casar não via que suas exigências seriam impossíveis para ela, uma mulher que trabalhava com tecnologia num ambiente ainda dominado por outros homens, para os quais ela precisava se provar todos os dias, sem fraquejar. Ele se recusou a compreender a importância do que ela fazia e a pressionou para que deixasse o emprego. Que desaforo! Ceder à pressão significaria o mesmo que jogar anos do seu esforço e competência no lixo. No fim das contas, o casamento foi oferecido em sacrifício.
No caso de Ben, ele não travava a eterna batalha entre os sexos, Melissa também era uma mulher que sabia impor sua vontade. Assim, ele não apenas cedeu, mas colocou a si mesmo na mesa e Mel nem piscou antes de aceitar a oferenda. Com a carreira em ascensão, os contratos se acumulando, a conta bancária acrescendo zeros e o marido ao seu lado, ela se sentiu segura. No início, ele não duvidou que tomara a decisão correta. Cuidar da mulher de sua vida, por quem era completa e perdidamente apaixonado desde que se entendia como homem, significava nada menos que seu dever. No entanto, conforme o tempo passava, a sensação inconfessável de que bastava não atrapalhar tomava conta dele. As coisas mudaram bastante, ele não era mais parceiro da esposa, tinha se tornado o marido da modelo, como o jornalista definiu. A recompensa chegava através de contas pagas e, recentemente, viagens internacionais. E só.
— Se você pudesse fazer qualquer coisa agora, nesse exato instante, o que seria, Benjamin? Nina olhou dentro dos seus olhos e lançou o desafio. Um sorriso maroto brincou em seus lábios. Eles eram dois estranhos, amanhã não se encontrariam de novo, isso permitia uma liberdade nova, onde tudo podia ser dito. Com esse pensamento em mente ela o encarou, divertida. Ben não respondeu de pronto. Antes, chamou o rapaz, pagou as bebidas, puxou a cadeira e esperou Nina se levantar. Ela não fez perguntas e o seguiu.
Vou lhe mostrar, disse-lhe na saída do pub.
Voltaram para o centro da praça, passava um pouco das dez horas e muitos turistas ainda aproveitavam a noite. Ben os levou até uma escadaria ali perto, junto a uma fonte iluminada e um obelisco. Ele apontou onde Nina deveria ficar, sacou o celular e a fotografou.
Ela entrou na brincadeira. Fez poses, riu, sorriu, jogou os cabelos, pulou entre os degraus, enquanto ele a dirigia: olhe para mim; vire-se naquela direção; agora namore a câmera.
No fim do ensaio, se sentiam como velhos amigos. Regressaram ao hotel caminhando devagar, de braços dados, olhando juntos as fotos na pequena tela. Nina passou seu número para que Ben lhe enviasse cópias. Despediram-se com um aperto de mãos no corredor do hotel.
Ben e Nina não se encontraram no dia seguinte, o último dela na cidade. Em vez disso, ele insistiu com Melissa e foi acompanhá-la na sessão de fotos. Decidiu não comentar com a esposa sobre a noite passada, avaliou que nada de mais acontecera e Mel poderia ter a impressão errada. Ou pior, talvez ela nem se importasse.
Chegaram cedo à locação do dia. Durante toda a manhã, se sentiu sobrando. Mel ficava muito concentrada enquanto trabalhava e, ele percebeu, sua presença era dispensável. Na hora do almoço, resolveu perguntar.
— Amor, você se incomoda que eu acompanhe seus ensaios?
Ela o olhou por baixo dos cílios.
— Por quê a pergunta?
— Pode ser apenas impressão minha.
Mel respirou fundo, pousou os talheres no prato e limpou a boca num guardanapo.
— Não é que eu me incomode, é só você não ficar dando palpite, entende?
— Não dei palpite!
— Eu te conheço, Ben, você faz caras e bocas o tempo todo! – Ela não falou de maneira carinhosa ou brincalhona, foi uma bronca, contida, ainda assim, uma reclamação. Eles nunca tiveram essa conversa antes, por isso, talvez ele se comportasse de maneira inconveniente sem perceber.
— Não foi minha intenção – afastou o prato de comida – Você sabe que pode falar comigo, não é?
Mel assentiu com a cabeça, mas o celular tocou. Ela levantou o dedo indicador na direção do marido e começou a teclar freneticamente com a outra mão.
— Preciso ir – preparou-se para levantar – você pode tirar a tarde de folga – sorriu, dengosa – Vá andar por Roma! – Beijou-o rapidamente e foi embora.
Ben entendeu o recado. Voltou para o hotel, subiu até o quarto, pegou sua câmera, baterias extras, enfiou tudo o que precisava numa pequena mochila e saiu para explorar os arredores. Fotografou a tarde inteira.
Enquanto isso, Nina almoçou no quarto, navegou pela internet por quase duas horas, depois decidiu fazer compras. Tomou um taxi, parou numa rua de comércio movimentado e encontrou o que queria: um vestido novo que combinava com suas intenções para com a festa daquela noite.
Às dezenove horas ficou pronta para cumprir seu compromisso de trabalho. Havia conseguido a lista de convidados com a secretária de Dante e fez a tarefa de casa. Tinha absoluta certeza de que a noite renderia bons frutos.
No trajeto até um dos bairros mais caros de Roma Nina aproveitou para rever, no celular, as fotos que Ben fizera dela na noite anterior. Ele é mesmo muito bom fotógrafo, pensou, com um sorriso involuntário se formando em seus lábios.
Melissa ligou quando a noite já se anunciava, fora convidada para uma festa, explicou. Ben não prestou muita atenção, ansioso que estava por também lhe contar sobre tudo que descobrira: as praças, as igrejas, os monumentos e as fontes belíssimas; queria levá-la para conhecer todos aqueles lugares incríveis! Mas a esposa tampouco prestava atenção ao que ele dizia, empolgada com o convite de seus sonhos. Ben foi o único a perceber o descompasso.
— Mel, a gente precisa de um tempo para nós dois – assim que ela chegou, ele deu um jeito de conseguir uma brecha para tocar no assunto. Estavam em Roma há três dias e mal se viam! Melissa riu como se ele brincasse.
— Pode vestir aquele blazer preto, fica muito bem em você.
— Amor, você está me escutando? Vamos namorar hoje, hum? Estamos cercados de lugares extraordinários, tudo bem perto daqui – abraçou a mulher pela cintura, pousando um beijo demorado em seu pescoço.
— Ben, eu preciso ir à essa festa, você nem acreditaria nos nomes que estão na lista! – O tom de voz não deixou espaço para argumentação. Ele concordou sem discutir. Ficou pronto logo e se sentou na poltrona para esperá-la.
Melissa locomoveu-se pelo quarto usando um vestido azul-escuro com decote generoso. Prendeu os cabelos loiros num coque desarrumado, sensual, e aplicou a maquiagem forte que tanto gostava, realçando seus traços perfeitos.
A mulher mais linda do mundo, Ben pensou, exatamente como pensava desde que era um menino de escola.
— Se eu não for, você vai ficar chateada? – falou em voz alta, não poderia voltar atrás. Mel o encarou, avaliou por meio segundo e sorriu.
— Claro que não, meu amor, sei que você não gosta dessas coisas – ela nunca se preocuparia, pois conhecia o marido muito bem e, na certa, ele passaria a noite na frente da televisão ou do laptop – Ligo quando estiver saindo.
O casal não se beijou na despedida.
Ben permaneceu no quarto. Assistiu um programa de entrevistas em italiano por duas horas inteiras sem entender praticamente nada. E quando sentiu fome cogitou fazer um pedido, mas optou pelo restaurante. Vestiu o blazer e desceu.
No térreo, da porta do elevador, avistou Nina atravessando o salão. Ficou em dúvida se apertava o passo ou acenava… gritar o nome dela seria ridículo. Acompanhou-a de longe e viu que tiveram a mesma ideia.
Encontrou-a no bar, como na primeira noite.
— Já de volta? – falou às suas costas. Nina virou-se devagar, Ben engoliu em seco.
Ela escovara os cabelos e se maquiara um pouco; usava brincos reluzentes e um colar com um pequeno pingente em forma de gota que apontava para o decote quadrado do vestido preto.
— Onde você vai assim? – ela falou entre risos, medindo o homem de cima a baixo.
— Vou jantar com você – Ben mal acreditou na ousadia que acabava de cometer. Estava prestes a se explicar quando Nina estendeu a mão. Ele calou a boca e a conduziu até a mesa.
Eles jantaram, beberam vinho e conversaram sobre o futuro. Ben havia decidido minutos antes que, tão logo voltasse ao Brasil, reabriria seu estúdio fotográfico. Nina também revelou novidades: conseguira alinhavar três novos contratos para sua empresa em poucas horas num coquetel maçante.
— Assim como você, Benjamin, também tomei uma decisão profissional importante essa noite: terei uma conversa definitiva com o presidente da companhia assim que chegar ao Brasil – estreitou os olhos, virando a cabeça um pouquinho de lado, e ele se lembrou que vira essa mesma expressão no rosto dela na noite em que se conheceram.
— Isso deve ser um sinal, Nina – sorriu feito um menino – sinal de que teremos dias melhores, nós dois!
— Pela coragem de vivermos dias melhores – Ela ergueu um brinde. Ben bateu levemente com sua taça na dela, sentindo um constrangedor nó na garganta.
Ben e Nina foram os últimos a deixar o restaurante. A banda parou de tocar, os garçons recolhiam os pratos que restavam sobre as mesas e lhes direcionavam olhares enviesados e, provavelmente, insultos em italiano. Eles riram dessa hipótese.
— Não vamos entender nada mesmo! – Ben ria mais agora.
— Vamos embora antes que nos expulsem! – Nina, também um pouco mais alegre por causa do vinho, equilibrou-se nos saltos e, graciosamente, deu-lhe o braço.
Seu vestido preto e longo possuía uma fenda que permitia ver parte de sua perna. Nada muito ousado, o traje todo era discreto e elegante, mas a sensualidade que ela exalava mexia com ele, o vestido servia apenas como pretexto. Naquele instante, perigosamente, Ben admitiu que aquela mulher o impressionava mais a cada vez que se viam.
Nina caminhou pelo saguão ao seu lado, bem perto, tocando seu braço, e ele sentiu algo muito parecido com desejo por ela.
— Você vai mesmo embora amanhã?
— Vou – Nina encarou seu acompanhante.
O belo homem era gentil, inteligente, doze anos mais jovem e casado. Que combinação, Nina!, repreendeu-se mentalmente.
Subiram os oito andares, sozinhos no elevador, em silêncio. Seus quartos ficavam em lados contrários, de modo que a despedida se daria ali mesmo, no meio do corredor, mais uma vez.
— Obrigada pela companhia, Ben.
— Obrigado por tudo, Nina.
Ele se inclinou e beijou o rosto dela. Trocaram um pequeno sorriso e um olhar mais demorado. Nina considerava seriamente convidá-lo para ir ao seu quarto. Ela não era uma mulher de grandes paixões, mas, consciente de seus atos, aceitou que se sentia atraída por Benjamim e já pesava as consequências de um envolvimento. Iria embora na manhã seguinte, eles não tornariam a se encontrar, ninguém se machucaria! Não que tivesse se esquecido da esposa jovem e linda – mas, até onde sabia, a garota se preocupava mais com os próprios interesses do que com o marido. Sentiu-se bastante hipócrita com aquele argumento esdrúxulo.
— Nina, eu… – Ben tocou-lhe o braço com a ponta dos dedos e hesitou, como se pedisse permissão. Ela ergueu um pouco o rosto. Ele alcançou sua boca.
O beijo foi tão bom quanto Nina imaginou que seria. Benjamim era um homem amável e um pouco tímido, mas não poupou intensidade ao beijá-la. Segurando-a pela cintura, apertou-a com força contra o próprio corpo, enquanto suas línguas dançavam com sabor de vinho tinto.
Foi imprudente se agarrarem de tal maneira no meio do corredor do andar, mas nenhum dos dois teve pressa ou pudor.
Quando voltaram a se encarar, os olhos dele pediam desculpas. Ele iria para o quarto com ela e se arrependeria de manhã, Nina não teve dúvidas. Por fim, desistiu do convite que estava a ponto de fazer.
— Conserte isso, Ben – falou com carinho – converse com a Melissa e diga como você se sente com a ausência dela. Encontrem equilíbrio.
— Nina, você e eu…
— Eu também queria – interrompeu-o – mas não é possível para nós – afagou o rosto dele. Ben assentiu apenas uma vez.
Nina e Benjamin se despediram e tomaram direções opostas, afastando-se devagar, cada qual seguindo seu caminho, suas escolhas, seus pensamentos errantes.